Andreia Pellisson

O mundo têxtil e a economia circular

Desde o século 20, as roupas têm sido cada vez mais consideradas descartáveis, e a indústria tornou-se altamente globalizada, com roupas frequentemente projetadas em um país, fabricadas em outro e vendidas em todo o mundo em um ritmo acelerado . Essa tendência foi ainda mais acentuada nos últimos 15 anos pelo aumento da demanda de uma classe média em crescimento em todo o mundo com renda disponível mais alta e pelo surgimento do fenômeno “fast fashion”, levando a uma duplicação da produção no mesmo período.
 
Além dos louváveis esforços em curso, é necessário olhar para um novo modelo de economia têxtil, a economia circular. Nesse modelo, roupas, tecidos e fibras voltam a entrar na economia após o uso e nunca acabam como lixo. Alcançar uma nova economia têxtil exigirá níveis de alinhamento sem precedentes. É necessário uma abordagem de mudança em nível de sistema que capture as oportunidades perdidas pelo atual sistema têxtil linear.

Perfil do Setor Têxtil e de Confecção

Das roupas que vestimos aos cobertores e até dos nossos sofás e veículos, um mundo sem têxteis é impensável. Eles são uma parte essencial da vida diária e representam um setor significativo da economia mundial. O Brasil é a maior Cadeia Têxtil completa do Ocidente . Só nós ainda temos desde a produção das fibras, como plantação de algodão , até os desfiles de moda, passando por fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções e varejo. Representa 1,34 milhão de empregos formais (IEMI 2022) e 8 milhões se adicionarmos os indiretos e efeito de renda , dos quais 60% são de mão de obra feminina. O setor de confecção é o segundo maior empregador da indústria de transformação, perdendo apenas para alimentos ( Dados Abit – Jan/23).
 
Embora as vendas de roupas tenham dobrado desde 2000, seu período de utilização caiu significativamente como resultado do fenômeno da moda rápida, chamada Fast Fashion. Isso ocorre porque o aumento da moda rápida cria uma demanda crescente por fibras e têxteis, bem como métodos de envio mais baratos e rápidos. Isso significa que a produção global de fibras deverá atingir 156 milhões de toneladas métricas até 2030.
 
A Cadeia Têxtil e de Confecção é uma das indústrias mais poluentes a nível global. Consome uma quantidade significativa de água – para o cultivo do algodão e processo de beneficiamento, por exemplo – e é responsável por altos volumes de poluição devido ao uso de produtos químicos tóxicos. Segundo o estudo “Pulse of the fashion industry” publicado pelo Boston Consulting Group (BCG), a indústria da moda gera 2,1 bilhões de toneladas de resíduos por ano. Ao mudar para um sistema circular, o setor têxtil seria capaz de reduzir bastante seu impacto ambiental. Novos modelos de negócios são necessários, bem como a cooperação entre cadeias de valor.

Economia Linear x Economia Circular

Considere um item barato que você comprou para uma ocasião de última hora ou por impulso e depois descartou após alguns meses de uso. Tal comportamento não apenas desperdiça oportunidades econômicas, mas também coloca um fardo pesado sobre os próprios recursos, causando uma série de efeitos negativos. A maneira como as roupas são produzidas, distribuídas e usadas atualmente reflete um sistema econômico linear. Numerosos materiais não renováveis são usados para produzir roupas que são usadas por um curto período de tempo.
 
As empresas de vestuário reduzem custos para aumentar a acessibilidade de seus itens para os consumidores. Ao reduzir os custos de produção, mais linhas e coleções podem ser produzidas por temporada. Essa abordagem não apenas degrada a qualidade das roupas, mas também gera uma quantidade significativa de desperdício. A transformação da indústria têxtil para uma mais sustentável é necessária. Novas abordagens devem ser desbloqueadas criando novos modelos de negócios, reinventando cadeias de valor por meio de uma economia circular e adotando tecnologias para eliminar o desperdício desde o início.

Inovação da Indústria têxtil

Se a indústria têxtil adotasse um modelo circular, seus atuais impactos negativos poderiam ser reduzidos. Especialistas europeus na área de têxteis identificaram várias áreas de inovação que deverão ter um impacto positivo significativo no setor nos próximos anos. Isso inclui digitalização, sustentabilidade, eficiência de recursos, criação de novas empresas e identificação de novos segmentos de clientes.
 
Diferentes empresas estão adotando a reciclagem têxtil, por exemplo, com base no reprocessamento de resíduos em novos produtos, materiais ou substâncias, seja para o propósito original ou outros. Isso visa reduzir a produção de fibras têxteis virgens, evitar processos a jusante no ciclo de vida do produto têxtil e aumentar a circularidade do produto. A incorporação de tais práticas pode ajudar a indústria têxtil a reduzir efetivamente seu impacto ambiental. No entanto, a reciclagem de fibras em produtos de alta qualidade é difícil e cara. Hoje, a separação de componentes e materiais em produtos manufaturados representa um grande desafio. Mesmo uma camisa 100% algodão, por exemplo, contém etiquetas, linhas de costura feitas de diversos materiais. O processo de separação exige alto investimento e mão de obra qualificada.
 
Outro exemplo de impacto positivo é a Reverse Resources, uma plataforma digital que digitaliza dados sobre resíduos têxteis e conecta fabricantes e marcas de moda. Eles estão desenvolvendo uma série de projetos para ampliar as soluções digitais para construir a infraestrutura para a reciclagem de têxteis. É uma ferramenta importante, oferecendo às partes interessadas de um sistema circular total transparência dos fluxos de resíduos. De acordo com Ann Runnel, fundadora e CEO da Reverse Resources, sua missão é ajudar a reduzir o custo da reciclagem para apoiar a expansão da economia circular. Quanto mais membros da indústria participarem, mais poderão criar economias de escala.

Modelos de negócios circulares

Estes são apenas alguns exemplos de como as práticas de economia circular podem ser implementadas na indústria da moda e têxtil. À medida que a qualidade média e longevidade das peças de vestuário no mercado começarem a aumentar, aumentará igualmente a possibilidade de rentabilizar o seu valor através de novos modelos de negócio.
 
Os clientes geralmente valorizam roupas de alta qualidade e durabilidade, mas muitas vezes não conseguem tomar as melhores decisões em relação a essas opções devido à falta de informação e incentivo. Nos últimos anos, as marcas de moda de luxo começaram a oferecer novas tecnologias que permitem a personalização de itens para aumentar o valor e a satisfação do cliente. Isso ajuda a garantir um uso prolongado de peças de moda.
 
Outro modelo de negócio circular é a revenda de roupas de segunda mão, já difundida em escala global. A revenda de roupas cresceu 21 vezes mais rápido do que o varejo de roupas nos últimos cinco anos, de acordo com os dados mais recentes do relatório ThredUp Resale 2019. Na verdade, o número de clientes que compraram produtos de segunda mão cresceu para 56 milhões em 2018 em comparação com 44 milhões em 2017.

Conclusão

Com os consumidores, reguladores e partes interessadas cada vez mais cautelosos com as tentativas de greenwashing, as marcas de moda, assim como toda cadeia têxtil e de confecção, precisarão tomar medidas significativas para limpar o setor e demonstrar um compromisso compartilhado a fim de lidar com questões ambientais e sociais.
 
Para que a indústria têxtil e de confecção se torne sustentável, o conhecimento da origem e produção dos recursos é um tema importante. Espera-se que a matéria-prima reciclada constitua uma parte significativa dos recursos futuros a serem utilizados. A reciclagem de têxteis (especialmente resíduos pós-consumo) ainda é embrionário e será um grande desafio nos próximos anos, porém é um caminho para frente, sem volta.

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(Imagem retirada do site Vertown)